Justiça Federal condena ex-prefeito de Nova Friburgo por desvio de verbas da tragédia de 2011

Recursos que deveriam beneficiar vítimas da maior catástrofe climática do Brasil foram desviados por agentes públicos e empresário; condenações ultrapassam 9 anos de prisão

Por Cezar Guedes em 09/04/2025 às 18:06:56

Quatorze anos após a tragédia ambiental que devastou a Região Serrana do Rio de Janeiro, a Justiça Federal condenou os responsáveis por um esquema de desvio de verbas públicas que deveriam ter sido destinadas ao socorro das vítimas e à reconstrução do município de Nova Friburgo. A ação penal movida pelo Ministério Público Federal (MPF) resultou na condenação do ex-prefeito Dermeval Barboza Moreira Neto, do ex-secretário municipal José Ricardo Carvalho de Lima e de um empresário, todos responsabilizados por ações criminosas cometidas durante a situação de calamidade pública em janeiro de 2011.

De acordo com as investigações do MPF, os três atuaram em conluio para desviar recursos federais que tinham como destino o atendimento emergencial das vítimas da enchente mais letal do país. A condenação — proferida nesta semana — impôs a cada um deles uma pena de 9 anos, 10 meses e 10 dias de reclusão, além do ressarcimento de aproximadamente R$ 171 mil aos cofres públicos. Os réus, no entanto, responderão em liberdade enquanto recorrem da decisão.

Esquema de fraudes sob o pretexto da tragédia

As conclusões da investigação revelam um panorama escandaloso de corrupção institucionalizada. Os réus se aproveitaram da situação de emergência decorrente da tragédia natural para justificar a adoção de contratos diretos, sem licitação, sob argumento de urgência. No entanto, evidenciou-se o direcionamento prévio das contratações, com exclusão de concorrentes e montagem de um falso cenário de competição.

Para legitimar os contratos suspeitos, o grupo criminoso forjou documentos, simulou orçamentos com empresas inidôneas e retroalimentou o esquema com processos administrativos fabricados ou adulterados. A manipulação documental visava encobrir pagamentos ilícitos por serviços mal executados ou até mesmo inexistentes, ferindo frontalmente os princípios da moralidade e da eficiência administrativa.

Além disso, os investigados dificultaram o trabalho de fiscalização, omitindo ou retardando informações essenciais solicitadas pelo Ministério Público Federal — estratégia utilizada para confundir as investigações e proteger os agentes envolvidos. O resultado desse esquema foi o desvio efetivo de recursos emergenciais, em prejuízo daqueles que mais necessitavam de apoio em um dos momentos mais trágicos da história do estado.

Um crime contra os mais vulneráveis

A condenação se dá em um contexto particularmente sensível, pois os recursos desviados eram destinados a cidadãos desabrigados, feridos ou enlutados por uma tragédia de proporções continentais. As enchentes e deslizamentos que atingiram Nova Friburgo em janeiro de 2011 provocaram aproximadamente 900 mortes em toda a Região Serrana, deixando milhares de famílias desamparadas, além de danos severos à infraestrutura urbana, como hospitais, escolas, redes elétricas e vias públicas.

Segundo o procurador da República Luís Cláudio Senna Consentino, a sentença representa um marco importante: "Práticas corruptas em tempos de crise são ainda mais gravosas e altamente reprováveis. Este caso reafirma a função do direito penal como instrumento de defesa dos direitos dos cidadãos e da moralidade pública".

Comparações e lições

O caso de Nova Friburgo guarda paralelos com outras catástrofes recentes, como as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024, que, apesar de suas proporções e impactos sociais, resultaram em cerca de 183 mortes. Tanto em 2011 quanto em 2024, os desastres evidenciaram a vulnerabilidade de comunidades inteiras frente a eventos climáticos extremos e, mais uma vez, ressaltaram a necessidade de gestão pública eficiente, ética e fiscalizada quando se trata do uso de verbas emergenciais.

A impunidade nesses contextos amplia a dor coletiva de quem perdeu pessoas, casas ou dignidade. Quando o poder público falha em sua resposta — ou pior, se apropria indevidamente de recursos destinados ao socorro —, o impacto deixa de ser apenas material: transforma-se em profunda desilusão com o Estado e com seus representantes.

Um passo importante, mas não o fim

Apesar das condenações, o MPF lembra que os réus ainda podem recorrer em liberdade e que só serão considerados culpados de forma definitiva após o trânsito em julgado da sentença. No entanto, a decisão representa um sinal de esperança de que a justiça alcança, ainda que tardiamente, aqueles que exploram o sofrimento alheio para benefício próprio.

Ação Penal nº 0002033-25.2013.4.02.5105/RJ

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