Quatorze anos após a tragédia ambiental que devastou a Região Serrana do Rio de Janeiro, a Justiça Federal condenou os responsáveis por um esquema de desvio de verbas públicas que deveriam ter sido destinadas ao socorro das vítimas e à reconstrução do município de Nova Friburgo. A ação penal movida pelo Ministério Público Federal (MPF) resultou na condenação do ex-prefeito Dermeval Barboza Moreira Neto, do ex-secretário municipal José Ricardo Carvalho de Lima e de um empresário, todos responsabilizados por ações criminosas cometidas durante a situação de calamidade pública em janeiro de 2011.
De acordo com as investigações do MPF, os três atuaram em conluio para desviar recursos federais que tinham como destino o atendimento emergencial das vítimas da enchente mais letal do país. A condenação — proferida nesta semana — impôs a cada um deles uma pena de 9 anos, 10 meses e 10 dias de reclusão, além do ressarcimento de aproximadamente R$ 171 mil aos cofres públicos. Os réus, no entanto, responderão em liberdade enquanto recorrem da decisão.
As conclusões da investigação revelam um panorama escandaloso de corrupção institucionalizada. Os réus se aproveitaram da situação de emergência decorrente da tragédia natural para justificar a adoção de contratos diretos, sem licitação, sob argumento de urgência. No entanto, evidenciou-se o direcionamento prévio das contratações, com exclusão de concorrentes e montagem de um falso cenário de competição.
Para legitimar os contratos suspeitos, o grupo criminoso forjou documentos, simulou orçamentos com empresas inidôneas e retroalimentou o esquema com processos administrativos fabricados ou adulterados. A manipulação documental visava encobrir pagamentos ilícitos por serviços mal executados ou até mesmo inexistentes, ferindo frontalmente os princípios da moralidade e da eficiência administrativa.
Além disso, os investigados dificultaram o trabalho de fiscalização, omitindo ou retardando informações essenciais solicitadas pelo Ministério Público Federal — estratégia utilizada para confundir as investigações e proteger os agentes envolvidos. O resultado desse esquema foi o desvio efetivo de recursos emergenciais, em prejuízo daqueles que mais necessitavam de apoio em um dos momentos mais trágicos da história do estado.
A condenação se dá em um contexto particularmente sensível, pois os recursos desviados eram destinados a cidadãos desabrigados, feridos ou enlutados por uma tragédia de proporções continentais. As enchentes e deslizamentos que atingiram Nova Friburgo em janeiro de 2011 provocaram aproximadamente 900 mortes em toda a Região Serrana, deixando milhares de famílias desamparadas, além de danos severos à infraestrutura urbana, como hospitais, escolas, redes elétricas e vias públicas.
Segundo o procurador da República Luís Cláudio Senna Consentino, a sentença representa um marco importante: "Práticas corruptas em tempos de crise são ainda mais gravosas e altamente reprováveis. Este caso reafirma a função do direito penal como instrumento de defesa dos direitos dos cidadãos e da moralidade pública".
O caso de Nova Friburgo guarda paralelos com outras catástrofes recentes, como as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024, que, apesar de suas proporções e impactos sociais, resultaram em cerca de 183 mortes. Tanto em 2011 quanto em 2024, os desastres evidenciaram a vulnerabilidade de comunidades inteiras frente a eventos climáticos extremos e, mais uma vez, ressaltaram a necessidade de gestão pública eficiente, ética e fiscalizada quando se trata do uso de verbas emergenciais.
A impunidade nesses contextos amplia a dor coletiva de quem perdeu pessoas, casas ou dignidade. Quando o poder público falha em sua resposta — ou pior, se apropria indevidamente de recursos destinados ao socorro —, o impacto deixa de ser apenas material: transforma-se em profunda desilusão com o Estado e com seus representantes.
Apesar das condenações, o MPF lembra que os réus ainda podem recorrer em liberdade e que só serão considerados culpados de forma definitiva após o trânsito em julgado da sentença. No entanto, a decisão representa um sinal de esperança de que a justiça alcança, ainda que tardiamente, aqueles que exploram o sofrimento alheio para benefício próprio.
Ação Penal nº 0002033-25.2013.4.02.5105/RJ
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